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Moda transformadora: a história da família que tece um futuro sustentável na "Rua dos Brechós"

Ao passar pela Rua Um do bairro Filipinho, em São Luís, um olhar desatento pode fazer com que a aparência simples da via e das residências indique falta de movimento.

Por Agencia 217

09/06/2025 às 00:05:15 - Atualizado há

Ao passar pela Rua Um do bairro Filipinho, em São Luís, um olhar desatento pode fazer com que a aparência simples da via e das residências indique falta de movimento. A verdade, no entanto, é que o local guarda a história especial de uma família que se reinventou por meio da moda e, ainda por cima, pode se orgulhar de ter transformado muitas outras vidas.

Há cerca de 11 anos, a família de Maria da Paz, 59, se mudou da comunidade do João de Deus para o Filipinho em busca de novas oportunidades. A pensão no valor de um salário mínimo recebida por "Dona da Paz", como é carinhosamente apelidada, era a única renda fixa da família de cinco filhos. Foi nesse contexto que a chegada da filha Denisia do interior, juntamente de uma mala cheia de roupas, serviu como a ideia embrionária do que hoje é o principal sustento da família.

Os itens trazidos na viagem seriam originalmente doados para uma outra família, que já recebia doações com frequência. Contudo, um desentendimento alterou os planos e, de repente, as roupas não tinham mais destino. "A família decepcionou muito a gente e minha filha chegou de viagem e tinha uma mala cheia de roupa. Aí pensamos 'o que vamos fazer?' Aí a gente começou a vender em casa", explica Dona da Paz.

Para se desfazerem do vestuário em excesso, mãe e filhas organizaram, com o apoio de vizinhas e amigas, um bazar com cada peça exposta custando R$ 1,00. A iniciativa ocorreu em dezembro de 2014, como mostra o anúncio abaixo, publicado no Facebook:

O bazar foi um sucesso de público e logo gerou pedidos por mais eventos semelhantes. De acordo com Dona da Paz, a família tinha como diferencial a organização das peças expostas, uma novidade no estado: “nós somos pioneiras aqui no Maranhão. Brechó, aqui, era no chão, tudo jogado, tudo em saco. E a gente teve a ideia brilhante de botar as araras para ficar tudo arrumadinho."

Expansão de público e família

As peças que sobraram continuaram a ser expostas na casa 11, onde morava a família, até se esgotarem. Se originalmente o bazar era apenas uma maneira criativa de desapegar de blusas, calças, saias e vestidos, a proposta acabou virando um grande atrativo para pessoas de lugares cada vez mais diversificados que buscavam comprar ou vender. Assim surgiu o Bazzar da Moda, como foi nomeada a loja, que não demorou a precisar se expandir.

É o que relata Sandra Mendanha, 40, filha de Dona da Paz. Atualmente, ela gerencia a Oficina da Moda, brechó na casa 9, vizinho ao Bazzar da Moda. "Não era pra lucrar, era só pra se desfazer. Aí começaram a bater na porta perguntando 'Quando vai ter de novo? Cadê o brechó?' E a gente começou a comprar e revender e quando viu a loja estava cheia", relembra Sandra.

Logo, mais um espaço na Rua Um, a casa 4, passou a abrir as portas para receber a clientela que sempre fazia questão de espalhar as novidades dos brechós da família. A expansão, inclusive, não se deu apenas no âmbito comercial, mas também entre os próprios Mendanha.

Raissa Mirela, de 28 anos, é quem cuida atualmente das vendas na casa em que tudo começou. Casada há três anos com José Márcio, um dos três filhos homens de Dona da Paz, a nora foi integrada também aos negócios e rapidamente se afeiçoou ao ramo, profissional e pessoalmente. "Eu comecei a gostar muito de moda também, montar o meu estilo através do brechó. Então gosto tanto de vender e fazer outras pessoas felizes com as peças quanto também me surpreender quando eu acho uma peça garimpando", conta Raissa.

O relato da jovem reforça uma tendência recente no mundo fashion. Raissa faz parte da chamada Geração Z, também chamada de "Gen Z", grupo que compreende pessoas nascidas entre a segunda metade da década de 90 e o final dos anos 2000. O consumo de artigos de roupa usados, historicamente associado a pessoas mais velhas, vem crescendo entre os jovens.

Segundo o Relatório de Revenda 2025, publicado no início deste ano pela ThreadUp, importante plataforma online de revenda de moda, 51% dos consumidores da Geração Z já compraram peças de segunda mão e 46% se dizem abertos a seguir comprando por essa via.

O ambiente familiar também colaborou para a adaptação de Raissa ao trabalho com brechó. De acordo com José Cursino Moreira, economista e analista técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a confiança é um elemento que favorece o empreendimento entre parentes: "normalmente, os conflitos entre os sócios de um negócio têm como causa exatamente a desconfiança entre eles. E essa desconfiança decorre do desconhecimento anterior existente, o que entre familiares não acontece ou é muito menor".

Segundo o especialista, outra vantagem é que o engajamento de todos no alcance dos objetivos se torna mais factível, já que este é não só um objetivo de empresa, mas também de família. Moreira destaca, ainda, que o ingresso de familiares no próprio negócio também pode estar sendo utilizado como uma alternativa à colocação dos jovens  no mercado de trabalho, o que vai de encontro ao caso de Raissa, que não esconde a importância da sogra e cunhadas na trajetória:

"Como já era da família, tornou tudo mais fácil. Eu contei com o apoio delas, a experiência delas, o conforto. Foi um divisor de águas na minha vida. Pra falar a verdade, eu não me vejo trabalhando em outra coisa."

Rede de apoio feminina

Os três brechós da família na Rua Um colocam Raissa, Sandra e Dona da Paz entre as mulheres empreendedoras no Maranhão, grupo que vem se consolidando cada vez mais no mercado de trabalho.

Um levantamento divulgado em novembro do ano passado pela Receita Federal aponta que 41,2% das mais de 290 mil empresas registradas no estado são de empresárias mulheres, o que representa um salto de 4,2% em relação ao ano de 2023.

Apesar do crescimento notável e de hoje as vendas serem o principal sustento da família, as mulheres Mendanha não se esquecem das raízes que as trouxeram até onde estão com as lojas. Quando os brechós sequer eram um projeto, a solidariedade feminina possibilitou os primeiros entendimentos sobre o negócio e as possibilidades de desenvolvimento econômico e social.

Sandra explica que não enxerga os brechós como uma concorrência, e sim uma grande família. "Eu digo que não tem concorrência pro brechó porque todos os brechós são diferentes um do outro. Cada brechó tem seu público, tem sua clientela", diz ela, que ainda ressalta como ajudou várias vezes mulheres interessadas em seguir o mesmo caminho:

"Eu conheci muita gente, muita empreendedora pequena, muita senhora aposentada que queria ter uma fonte de renda, muita mãe solo. Elas vinham, traziam os bebês de colo e cada uma segurava um pouquinho. E a gente fica feliz porque muitas vêm pra mim e dizem 'eu aprendi a trabalhar com Sandra, ela que me ensinou' e isso é muito bom e eu fico feliz porque era mãe precisando de apoio."

O relato é corroborado pela mãe, Dona da Paz, que revela um sentimento especial com as histórias construídas entre mulheres de todos os cantos: "para nós é gratificante. A gente ajuda muita gente, sabe? Nós temos clientes desde o início que nunca abandonaram a gente, que hoje em dia são praticamente a família."

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